Galeria: 40 anos
(parte 2)

Ribeirão Preto

Abertura:
12 de novembro, 2025 / 18h30–21h30

Período de visitação:
12 de novembro, 2025 a 17 de janeiro de 2026

Amelia Toledo, Ana Paula Oliveira, Ana Sario, Carlos Fajardo, Claudio Tozzi, Cristina Canale, Elisa Bracher, Fábio Miguez, Flávia Ribeiro, Gabriela Machado, Guto Lacaz, Helena Carvalhosa, José Resende, Laura Vinci, Luiz Paulo Baravelli, Marcus Vinicius, Mariannita Luzzati, Rogério Degaki, Silvia Velludo, Siron Franco, Ubirajara Ribeiro, Wesley Duke Lee, Zé Bico

A Galeria Marcelo Guarnieri apresenta em nossa unidade de Ribeirão Preto, entre 12 de novembro de 2025 e 17 de janeiro de 2026, a segunda parte da série de exposições “Galeria: 40 anos”. A mostra, que dá continuidade à primeira parte exibida durante os meses de setembro e outubro, integra o programa de comemorações dos 40 anos de atividade da galeria. A mostra conta com trabalhos de Amelia Toledo, Ana Paula Oliveira, Ana Sario, Carlos Fajardo, Claudio Tozzi, Cristina Canale, Elisa Bracher, Fábio Miguez, Flávia Ribeiro, Gabriela Machado, Guto Lacaz, Helena Carvalhosa, José Resende, Laura Vinci, Luiz Paulo Baravelli, Marcus Vinicius, Mariannita Luzzati, Rogério Degaki, Silvia Velludo, Siron Franco, Ubirajara Ribeiro, Wesley Duke Lee e Zé Bico.

A Galeria Marcelo Guarnieri abriu sua primeira unidade em agosto de 1985, na casa número 1903 da Avenida 9 de Julho, em Ribeirão Preto. Desde então, vem se consolidando como um importante espaço dedicado à arte, estruturando-se primeiro no interior do estado e expandindo-se, em 2014, para a capital paulista. Considerando o deslocamento – geográfico, simbólico e conceitual – como um fator basilar em sua prática e modo de funcionamento, a galeria construiu uma trajetória marcada pelo trânsito entre produções artísticas provenientes de diferentes contextos e temporalidades.

Esta segunda parte da exposição reúne um grupo de obras de artistas cujas produções se estabeleceram a partir dos anos de 1980 e 1990 e se conecta com a primeira parte através da obra de Wesley Duke Lee, desta vez com um conjunto de 8 gravuras produzidas no ano de 1972 que inclui um poema:


“Um dia, à tarde
eu estava sentado numa varanda
olhando o pôr do sol, era numa praia.

Tinha a mão apoiada em minha companheira
e me ocorreu um fato curioso,

se eu naquele momento fizesse um desenho do que
estava sentindo na mão seria diferente do que o olho
poderia observar...

Então "olhar" com o tato!

O Sol se pôs, ficou noite e no escuro
comecei a registrar esta pequena descoberta:

A Anatomia Cega,

que dedico à minha companheira.

Em Parati, 6 de janeiro de 1972”

Através de sua obra e de seu trabalho como professor, Wesley Duke Lee exerceu grande influência sobre os artistas de sua geração, como José Resende e Luiz Paulo Baravelli. Além de ter sido seu aluno, José Resende manteve um diálogo ainda mais frequente com o artista quando passou a integrar o Grupo Rex, criado por Nelson Leirner, Geraldo de Barros e o próprio Duke Lee. O grupo questionava as instituições e o modus operandi do sistema de arte por meio de intervenções, publicações, palestras, projeções ou encontros, sempre de maneira provocativa e propositiva.

Em 1967 o Rex encerrou suas atividades, e em 1968, ano da instauração do AI-5, vivendo sob um regime militar, Carlos Fajardo, José Resende, Luiz Paulo Baravelli e Frederico Nasser decidem fundar uma escola de arte livre de qualquer método ou modelo que se baseasse em relações de autoridade e hierarquia. A Escola Brasil, considerada uma das mais importantes escolas de artes do país, funcionou durante quatro anos e recebeu cerca de 400 alunos, sendo responsável pela formação daquela geração de artistas que se estabeleceram entre os anos de 1980 e 1990. As escolhas da galeria mantêm uma relação direta com a Escola Brasil, uma vez que ela representa três dos quatro artistas fundadores.

Nesta exposição, apresentamos obras de Baravelli e Resende que reativam o elo com Duke Lee através da linguagem do desenho. A série "Krazy Kat” (1976-1977), de Baravelli, é formada por esculturas de espuma de poliuretano, cerâmica, bronze, veludo, ferro e madeira pintada. Segundo o artista, as peças foram produzidas para compor, de maneira fictícia, o vazio cenário da tira de jornal Krazy Kat, criada pelo americano George Herriman em 1913. Na obra “Sem Título” (1968), de José Resende, também é possível ver a relação do desenho com o campo tridimensional que foi tão bem explorada nas obras de seu professor. Transitar livremente entre linguagens em uma mesma peça era uma das características marcantes de seu trabalho. Como descrito no poema que acompanha o conjunto de gravuras, Duke Lee propunha uma relação com o desenho que podia prescindir do sentido da visão e se dar pelo tato.

Essas estruturas totêmicas e aterradas que se distribuem pela parte central da galeria são rebatidas pela desordem da obra “Caos” (2016), de Laura Vinci, pelo tumulto que se instaura na pintura “Sem Título” (2006), de Silvia Velludo, e desafiadas pela força da gravidade evidenciada pela placa suspensa que compõe a obra “Contrapássaro” (2010), de Ana Paula Oliveira. Vinci, Oliveira e Velludo pertencem a uma mesma geração de artistas brasileiras que emergiram nos anos 1990, período marcado pela valorização da experiência sensorial e espacial. A noção de movimento é explorada na obra das três artistas, em Laura Vinci através da transformação da matéria e do diálogo entre peso, leveza e transitoriedade, em Silvia Velludo pela repetição de materiais em um arranjo que se estrutura pelo próprio desalinho e em Ana Paula Oliveira a partir do contraste entre materiais industriais e orgânicos.

Desativando o caos e buscando o silêncio da anatomia cega mencionada por Duke Lee em seu poema, apresentamos uma série de pequenas paisagens de Helena Carvalhosa, Ana Sario e Gabriela Machado. Três artistas que pertencem a diferentes gerações, mas que se encontram na valorização do gesto, da textura e da prática cotidiana. Suas poéticas entendem a pintura como processo, um espaço de experimentação que se aproxima do sensorial, do intuitivo e do corporal.

Os corpos se estendem pela exposição de distintos modos: mutilados na pintura “Em nome de Deus” (2018), de Siron Franco; deformamos em “Veja o nú” (1968), de Claudio Tozzi; ausentes em “Poltrona anos 60” (1999), de Cristina Canale e em “Paisagem com navio” (1980), de Guto Lacaz; situados em um lugar inesperado visto de dentro dos olhos, em "Das Erotik Pict Kolor” (1967), de Ubirajara Ribeiro; transformados em montanha na pintura “Sem título”, de Mariannita Luzzati; ou em gestos rápidos na também “Sem Título” (déc. 1990), de Fábio Miguez. Por fim, repousa sob o peso do bronze e do aço corten nas esculturas de Flávia Ribeiro e de Zé Bico.

“Listrados” de Marcus Vinicius convida o espectador a percorrer um meio círculo à sua frente, revelando, a partir do movimento do corpo do observador, múltiplos efeitos causados pela variação cromática e luminosa dos vidros. Convocado por sua propriedade reflexiva e pela dúvida que seu efeito óptico pode gerar à visão do observador, o vidro surge como um elemento compositivo não só pela transparência pura e simples, mas também por seu caráter ambíguo, por suas artimanhas visuais. “São vidros incolores apoiados para frente e que frontalmente quase desaparecem, mas que vistos de outros ângulos criam um espaço a mais”, explica o artista. O uso da tinta sobre madeira em cores tão frequentemente observadas no cotidiano da cidade criaria um terreno seguro para a visão – estaríamos certos do que nosso olho vê –, mas o atrito entre cores distintas acaba por gerar alguma vertigem, terceiras cores que são percebidas só virtualmente. Marcus Vinicius está interessado pela pintura, por aquilo que pode acontecer no espaço bidimensional, mas também por aquilo que pode ser gerado na terceira dimensão.

O processo de construção de Marcus se aproxima da obra de Carlos Fajardo, que aqui na exposição se encontra com uma peça enfrentada justamente na parede oposta, embora se construa a partir de ângulos retos, a obra de Fajardo não pretendem convocar leituras fechadas. O quadrado, o espelho e as repetições podem ser, em um primeiro momento, identificados como recursos de uma linguagem assertiva, mas dentro da investigação do artista, eles são utilizados como ferramentas que abrem espaço para a ambiguidade. A peça apresentada é formada por sobreposições de superfícies de vidro dispostas em um determinado ângulo cuja inclinação produz um efeito de multiplicação de cores e planos, permitindo ao espectador acessar uma terceira dimensão. A caixa-obra é composta por dois quadrados de cor, mas essas cores também não são fixas, variam a depender da incidência da luz e do movimento do olho de quem vê. Um retângulo, outro retângulo, e mais outro: repetem-se como a mesma nota musical inscrita numa partitura. Um mantra desconcertante. E é nos deslocamentos dos corpos e nas inclinações dos eixos que os espelhos vibram.

Não apenas seus efeitos ópticos, mas também suas experiências físicas, construídas por meio da repetição, são elaboradas por Rogério Degaki. Duas telas de grande formato, dispostas lado a lado, exibem padronagens inspiradas nas estampas Jacquard, criando um espelhamento invertido que troca as posições entre as cores esmeralda e bege. Essa duplicidade vai além de uma questão puramente formal – o que se coloca em jogo não é apenas a geometria, mas a maneira como se constrói a imagem, utilizando uma técnica que simula uma outra técnica, neste caso uma pintura simulando a uma peça têxtil.

Por fim, a experiência da junção entre corpo e poesia se dá na instalação “Da cor da corda” (2014) de Amelia Toledo e no livro de artista “Sem título” (2011) de Elisa Bracher, no primeiro caso, um labirinto de cordas suspensas convidam o público a passar entre elas, roçando a pele na pele do mundo. A instalação tem uma proximidade com o próprio universo da pintura de Toledo, uma vez que trabalha com cordas de algodão impregnadas com resina acrílica e pigmentos com tonalidades distintas de azul, criando assim uma espécie de pintura no espaço. Já Bracher cria o espaço através da palavra: “o mundo canta no fundo fundo canto fino chama / no fundo / o mundo fundo o fundo canto no mundo / o quarto do fundo mundo / quieto canto canta fundo / no fundo do canto”, o poema se desdobra em sanfona e constrói o seu próprio lugar no mundo –por vezes físico, por vezes mental– as frases se completam em seu avesso ao buscar esquinas, rotas e ecos.

Agradecemos aos artistas, colecionadores, colaboradores, amigos e a todo o circuito de arte por esses anos de convivência, troca e construção conjunta.