Ana Sario: Onde não deveria estar
São Paulo
Abertura:
3 de dezembro, 2016 / 14h–18h
Período de visitação:
3 de dezembro, 2016 - 21 de janeiro, 2017
Ana Sario: Onde não deveria estar
por Douglas de Freitas, dezembro de 2016
Ana Sario parece buscar apreender em seu trabalho situações que não são passíveis de ser capturadas. Explico melhor, a atenção da artista está voltada para elementos, circunstâncias ou teorias onde uma simples representação imagética não é facilmente alcançada, e muitas vezes nem será. Assim, quando a artista pinta a paisagem da cidade a partir de fotografias por ela realizadas, sua ambição é retratar um estado de “estar na cidade”, uma espécie de olhar do transeunte, de quem anda nas ruas, ou olha a cidade através de uma janela. Quando se dedica a investigar o movimento das marés e a alteração causada por ela na paisagem, acaba encontrando a solução final pintando um gráfico que ilustra o fenômeno das marés de acordo com o movimento dos astros. Na pintura, chamada de Maré, essa figuração flerta com a abstração, o resultado final são formas geométricas em cores chapadas que, como imagem, não remetem mais à alteração provocada pela maré na paisagem, mas conceitualmente, é a melhor representação da imensidão do movimento.
É a partir da pintura-gráfico Maré que a imagem, sempre presente na produção da artista, ganha protagonismo no pensamento do trabalho. Sua pintura assume a abstração como forma de representar, e como maneira de produzir uma figuração que habita o limbo, situada entre representar e ser apenas geometria e superfície. Não que a figuração fosse condição previamente definida nos primeiros trabalhos, onde a artista partia de fotografia. Mesmo partindo de uma imagem fotográfica, sua pintura se resolveria como pintura, abre-se mão da fidelidade, a imagem é distorcida, burlada para construir a favor da pintura. Suas obras sempre buscaram os meios mais apropriados para alcançar a ideia almejada. Gravuras, desenhos, pinturas e instalações se resolvem tecnicamente dentro de suas devidas linguagens.
A imagem então vira questão em si, frames fotográficos e outros signos de imagens reproduzidas passam a integrar suas pinturas, e por vezes, os frames são o único elemento delas. Símbolos de uma ausência, o que está representado nesse frame vazio se faz presente como possibilidade ou impossibilidade de representação. É uma nova paisagem, que agora está vazia, ou cheia dela mesma.
Em Onde não deveria estar Ana Sario busca uma nova maneira de representar a paisagem, que leve em conta suas representações já firmadas pela historia da arte, mas que também assimile a imagem banal contemporânea, das estampas de tecido aos chiados televisivos. São paisagens erradas, submersas em ruídos, construídas ou apagadas por eles.
Ambas referências estão lado a lado, em pé de igualdade. Em Tilt uma paisagem esquemática, como um desenho infantil, traz uma rasura de apagamento aos seus pés, tudo marcado sobre um fundo de estamparia pintado pela artista. Já em Volpinho, duas janelas são pintadas em cores que remetem as de Volpi. É a constatação de que depois de Volpi, qualquer bandeira ou janela pintada rememora as dele. Assim como as imagens banais, as imagens das pinturas históricas, e a maneira como foram pintadas, já estão absorvidas e são amplamente reproduzidas. É por isso que vemos entre as obras referências à Cezanne, Monet, Van Gogh, além dos chiados televisivos, persianas que interrompem a vista paisagem e o fundo de tela do Windows.
É esse mundo de reproduções talhadas na memória, de coisas que nunca vimos mas achamos conhecer profundamente, que Onde não deveria estar traz. Uma mesma paisagem se reproduz de diversas maneiras, e mesmo quando são únicas, reproduzem um imaginário já assimilado porém distorcido, convertido em matéria e superfície de percepção truncada. É um ensaio sobre a busca da construção de um novo ideal de paisagem, embebido na memória de tudo o que já vimos e sabemos como imagem. Talvez Pretona seja o símbolo máximo do erro imagético proposto por Ana Sario. Revestida por um alumínio de um preto denso e profundo, ela é ao mesmo tempo uma paisagem imersa na escuridão, uma televisão pifada, ou apenas uma tela coberta por um material de cor encantadora.
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Ana Sario, São Paulo – SP (1984) / Vive e trabalha em São Paulo – SP.
Bacharel em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina, frequentou cursos de História da Arte com Rodrigo Naves e com Rafael Vogt Maia Rosa. Participou das coletivas: “Os Primeiros 10 Anos”, em 2011 e “Energias da Arte”, em 2009, ambas realizadas no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo e “Além da Forma” no Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, curada por Cauê Alves em 2012. Integra a publicação “Pintura Brasileira Século XXI”, da Editora Cobogó.