Edu Simões: Clichê/Rio
Rio de Janeiro
Abertura:
8 de novembro, 2017 / 18h–21h
Período de visitação:
8 de novembro - 9 de dezembro, 2017
Clichê: Esse azul de noturno mar
por Diógenes Moura
A imagem do Cristo Redentor “visto” por trás de uma nuvem/neblina torna-se um quase símbolo para a série de imagens que Edu Simões reuniu para “exibir” como um álbum de memórias muito privada de uma cidade, o Rio de Janeiro, os seus dias, as suas glórias de “cidade maravilhosa”, os tênues limites que todo fotógrafo encontra justamente para não tornar clichê o que já é clichê: mar, pores de sol, contra planos, corpos em busca de uma perfeição que o tempo se encarregará de desfazer. Então a imagem do Cristo desaparecido nos força a olhar para dentro da cidade, num silêncio quase sagrado, numa busca cada vez mais à procura de um significado. Ali tão fluído e ao mesmo tempo quase imperceptível. O Redentor desaparecido.
Clichê seria um ensaio imagético e líquido se não fosse literatura, desde que o fotógrafo começou a percorrer pelos cantos da cidade, durante onze anos, os passos das palavras, da poesia, das crônicas, dos romances, da vida, da arte e da morte muito além da morte de Clarice, Cony, Drummond, Rubem, Machado, Millôr. Todos na primeira pessoa, todos com nome próprio. Não conheço destino mais cortante que esse: fotografar a palavra do outro. É quase um suicídio. Também poderá se tornar uma epifania. Como traduzir “eu” para uma imagem? Como traduzir “tu” para a imagem seguinte? Como tornar visível o fluxo que sopra em “quando digo eu quero dizer tu”? Como perceber a epiderme da cidade que encontra a pele e os músculos da palavra? Mais uma vez o fotógrafo caminha e vai descobrindo sua própria linguagem, a garganta das coisas.
Onze anos se passaram e o fotógrafo ali, vendo a ponte desaparecer em diagonal futurista entre homem, espaço, concreto, musgo e passagem numa busca perplexa pela arquitetura. O roteiro geográfico que se repete e repete e repete interior e exteriormente. Por que queremos que os outros vejam o que a gente viu? Não basta ver, cada um do seu jeito? Aqui não. Nada sossega a fotografia que busca a palavra. Não há descanso na voz interior do fotógrafo quando ele se depara com o elefante que é como a página de uma missiva com rumo certo. Quando a borboleta amarela sobrevoa o passado é como literatura. A representação de cavalos rompantes é como literatura. Os bustos clássicos decadentes são como literatura. Estar num lugar à beira do tempo e tão exclusivamente poderá se tornar uma fotografia. Mesmo assim, não é a imagem que traduz a palavra. Edu Simões e os dois lados da luz diagonal. O fotógrafo ao meio. Como Clarice, a atração pelo instante. O feminino incontido. O sujeito estarrecido. Esse modo “torto” de olhar o mundo. Ela aqui. Ele aqui. O clichê desaparecido: o Redentor paira sobre a cidade. O clichê isolado pela lente. Sim, poderá ser a imagem que traduz a palavra. Tudo contamina.
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Edu Simões, 1956.
Vive e trabalha em São Paulo, Brasil
Desde meados dos anos 1970 até o fim dos anos 1990, Edu Simões fotografou grandes nomes da cena política, cultural e artística brasileira, quando editor de fotografia de revistas como Bravo, República e fotógrafo dos Cadernos da Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles. Ainda no período de 1970-80, teve uma forte atuação no campo das hard news, fotografando os movimentos populares que desaguaram no fim da ditadura militar, sobretudo as greves do ABC e de São Paulo, ganhando em 1981, o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos. A partir dos anos 2000, Simões assume um trabalho mais independente e autoral, que embora se distancie dos preceitos do fotojornalismo, ainda guarda algumas de suas marcas. O retrato é uma frequente em suas fotografias, agora menos interessado por figuras de grande prestígio e muito mais por aqueles que de alguma forma ocupam posições marginalizadas numa escala local e global: habitantes da floresta Amazônica, de zonas rurais de Angola, de comunidades periféricas como a Rocinha ou de Iepê, um pequeníssimo município do interior de São Paulo. Seus corpos, no entanto, não aparecem como corpos anônimos, pertencem a sujeitos identificados por seus nomes, por vezes sobrenomes e até mesmo pelos seus sonhos. Quando fotografa paisagens, plantas, troncos ou raízes, arquiteturas, animais ou suas representações, Simões parece dar-lhes importância parecida, explorando o vigor, a monumentalidade e a subjetividade dessas entidades.
Coleções que possuem seus trabalhos: Coleção Pirelli/MASP, São Paulo; MAM-São Paulo; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Museu da Imagem e do Som, São Paulo; Centro de La Imagem de México e Maison Europeéenne de la Photographie, França