RAU: Gerentes de novas ansiedades
São Paulo
Abertura:
18 de março de 2023 / 10h–17h
Período de visitação:
18 de março – 6 de maio de 2023
A Galeria Marcelo Guarnieri tem o prazer de apresentar, entre 18 de março e 06 de maio, Gerentes de novas ansiedades, primeira exposição individual de RAU no mezanino de nosso espaço em São Paulo. A mostra, que marca a estreia do artista no circuito comercial, reúne cerca de dez pinturas em tela e vinte em papel produzidas entre os anos de 2021 e 2023. RAU nasceu em Ribeirão Preto em 1997 e em 2017 iniciou sua graduação em Arquitetura e Urbanismo. Em suas pinturas, incorpora aspectos da linguagem cinematográfica, e influenciado por diretores como Koji Wakamatsu, Hisayasu Satô e Takashi Ishii, explora enquadramentos cênicos e associações entre texto e imagem para representar situações de tensão e mistério.
Gerentes de novas ansiedades, título da mostra, faz referência ao conto “Night Picnic” da escritora Izumi Suzuki (1949–1986), ícone da contracultura e pioneira da ficção científica japonesa.“Night Picnic” é a história de um grupo, supostamente o último sobrevivente em um planeta pós-apocalíptico, que tenta performar a dinâmica de uma família humana a partir dos vestígios da cultura “terráquea”. Eles se inspiram em romances e anúncios populares, reencenando clichês de seriados de televisão. Em sua obra, RAU segue o tom da crítica à cultura de massa explorada por Suzuki na década de 1970 para situá-la no contexto dos dramas de homens e mulheres comuns, habitantes de qualquer grande cidade dos tempos de agora. Cenas intimistas de personagens frente ao espelho, fumando um cigarro enquanto pintam as unhas ou falando ao telefone dentro de um apartamento pequeno misturam-se a outras cenas onde parece haver algum conflito em ação, insinuado pela postura dos corpos, troca de olhares e figuras de poder tal como policiais e juízes. Uma atmosfera desencantada e cínica preenche as pinturas de RAU, que se assentam em tons pastéis e vez ou outra nos assustam com seus vermelhos.
Para compor suas cenas, RAU parte de sua enorme coleção de imagens e textos, stills de filmes e citações, elementos visuais e literários que lhe permitem sobrepor referências a um ritmo de prática pictórica que ele define como veloz. Suas ágeis pinceladas, mais preocupadas em definir os contrastes entre luzes e sombras, dão a dimensão de uma pintura que, por mais que seja figurativa, não pretende descrever a imagem em detalhes. Interessado em provocar leituras ambíguas de suas composições, RAU se utiliza do espaço do título da obra ou mesmo da tela para explorar o poder da palavra e causar algum ruído entre texto e imagem, incorporando, para isto, referências tão diversas como a literatura de Susan Sontag e frases de Twitter. A dissociação que busca RAU em sua pintura se manifesta também nas escolhas dos enquadramentos, deslocando com alguma frequência algum de seus personagens para fora de quadro, evidenciando assim o seu interesse por aquilo que não é imediatamente percebido e convidando o público a imaginar o que veio antes e o que pode vir depois daquele tempo em suspensão.
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RAU
Gerentes de novas ansiedades
por Tereza de Arruda
A ansiedade é um sentimento tido hoje como trivial e compartilhado por indivíduos em sociedades distintas. A ansiedade pela primeira apresentação de uma produção artística pode ser representada ou camuflada pelas obras expostas. Gerentes de Novas Ansiedades, título sugerido pelo artista, é a primeira exposição na atuação de Raul Guimarães Ferreira (RAU) como artista plástico e elaborada para a Galeria Marcelo Guarnieri após um ano de trocas mútuas.
Gerentes de Novas Ansiedades é também a última frase do conto ficcional Night Picnic de Izumi Suzuki, ícone japonesa da contracultura e escrito na década de 70, no qual a autora relata o cotidiano dos últimos humanos de um planeta que tentam manter seu cotidiano imerso na mundanidade do presente em confronto com os robôs e as raças alienígenas do futuro. Esta suposta paranóia pode ser comparada com o conflito vivenciado diante das ameaças iminentes de guerra nuclear dos anos 80, ou dos riscos do cyberpunk anunciado na década de 90 e por fim diante da pandemia real que vivenciamos nos últimos três anos. Pois é justamente neste último cenário que RAU se deparou com a decisão e possibilidade de iniciar uma imersão e atuação no contexto das artes plásticas.
Autodidata e vivendo em Ribeirão Preto, RAU vive entrelaçado em referências culturais, sejam estas como adepto ao movimento punk em sua adolescência, imerso na literatura, a exemplo de Simone de Beauvoir, atentando à sua narrativa tendo o particular sobreposto ao universal, ou ainda explorando inúmeras referências cinematográficas produzidas por diretores como Koji Wakamatsu, Hisayasu Satô e Takashi Ishii a enaltecer mensagens eróticas, sociais e políticas. É neste universo abrangente de relatos sócio-culturais que o jovem artista pesquisa, coleta e ordena um imenso arquivo de conteúdos a ser revisto com um olhar crítico à busca da potencialidade da imagem principalmente pelo viés da semiótica: qual o significado de uma determinada ideia, quais as relações existentes entre a forma e conteúdo a partir dos protagonistas interpretantes de cenas e relatos pré-elaborados, dirigidos e encenados.
Distante de referências precisas de pintura em arte contemporânea e sem uma formação específica nas artes plásticas, RAU se debruça sobre a técnica da pintura a óleo para criar sua produção figurativa. Quanto à paleta de cores, o artista nos relata sobre sua escolha pictórica aleatória: “Eu por um exemplo não tenho nenhum interesse em manter as cores da maneira como elas estão nas referências e também não tenho interesse em usar elas de uma maneira escolhida para alcançar x ou y efeito“. É na fluidez desta autonomia e casualidade que surgem suas pinturas focadas prioritariamente em uma postura subjetiva interessada mais no ato de fazer/criar do que com o próprio resultado em si.
Grande parte de sua produção é em pequeno formato e sobre papel. São representações isoladas que apresentadas lado a lado nos remetem à ideia de film stills – cenas extraídas de um todo – que nos alertam para a existência de um microcosmo com a potencialidade de representar o “Todo” através de suas singularidades. Para ele, mais importante que as próprias referências é a quantidade de referências, o que por fim proporciona um trabalho sequencial como resultado da agilidade tanto no resgate e corte quanto no registro e acúmulo de imagens. É justamente este olhar atento de RAU – semelhante ao de um voyeur imerso no prazer de olhar o outro - a captar e selecionar o essencial dos filmes, que o coloca no papel de fazedor de imagens. Nesta visível dualidade, o artista resgata e liberta as representações ou conotações por ele selecionadas do filme original para na sequência torná-las reféns ressignificando-as como obra de arte.
Sua pintura tanto sobre papel quanto sobre tela é dominada por uma figura central extraída do macrocosmo e visivelmente em ação. O suspense é um elemento vivo tanto pelo foco neste protagonista quanto pela abstração de seu entorno. A superfície é ocupada por campos decodificadores do acúmulo de camadas isoladas como a compor uma colagem. Imerso em um ambiente fechado delimitado pelo espaço físico e os objetos do cotidiano que o compõem como móveis e utensílios, o personagem se vê isolado ou em grupo. Não raramente seus pensamentos são revelados em frases soltas inseridas na composição “e eu me pergunto”, “solidão e morte”, “o namorado reacionário” a expelir a tensão, resignação ou melancolia de uma realidade objetiva no campo da representação.
É contudo na pincelada expressionista, cujo delineamento é evidente pela presença de traços demarcados e acompanhados do emprego de cores intensas, que o desprendimento de padrões usuais da representação estética se faz presente. As obras de RAU refletem visivelmente estados emocionais que, externam um enfoque não somente nas referências culturais de seu entorno, mas também na realidade de nosso tempo.